Maria Isabel Adami Carvalho Potenza
Alegria de Natal
Data: 16/12/2022
Edição: 86
Desde que o Verbo de Deus desceu à terra, “à semelhança de nossa carne”, para nós existe a perene alegria. A verdadeira alegria. Receberam, assim, os homens a primeira notícia: “Eis que eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo, hoje nasceu-vos, na cidade de Davi, o Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2, 10). A presença de Cristo é sinal da verdadeira alegria anunciada pelo anjo. Ela nos é dada já no momento da graça inicial do Batismo, quando o sacerdote implora por nós a Deus: “Que ele vos sirva alegremente na vossa Igreja”. Alegria, sinal da graça que nos foi dada. Mas uma alegria que brota e floresce no íntimo do coração, uma alegria diferente, que não se mistura, nem se confunde com a alegria superficial e artificial que o mundo proporciona fugazmente em suas movimentadas festas, em suas honrarias, em suas vaidades. A alegria cristã é como um dom que recebemos com o próprio Corpo do Senhor na sua Eucaristia. Alegria com que o mesmo Cristo ungiu os seus mo-mentos de dor: “Disse-vos estas coisas para que a Minha Alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa” (Jo 15, 11). Cristo, pois, nos deseja alegria. E ela nada tem de fantasia e de mentira. É, realmente, transbordante e efusiva; não se esconde, mas serve ao bem comum. Leva homens a países longínquos e estranhos para anunciar a mensagem evangélica, repetindo a Boa-Nova. Leva jovens a leprosários, sanatórios, creches e hospitais, na imolação de sua vida para alcançar a perene alegria, a que ilumina horas sombrias e encoraja momentos difíceis, porque “quem perder a Sua vida por Minha causa, achá-la-á”, afirmou Jesus. Este “perder a vida” não é tão somente o martírio de sangue pela Fé; é a renúncia de cada dia aos bens transi-tórios, é a fuga do pecado, é o esforço de ascese para chegar mais perto de Deus. Só quem se despoja destas falsidades tem a paz e sabe de verdade o que é alegria. Encontramos em Raul Plus este belo comentário: “Só Cristo pode dar a Alegria. Quando concebido, ainda antes de nascer, faz exultar de alegria a Isabel e a João Batista (Lc 11, 41), e inspira o transbordante cântico do Magnificat à Sua Mãe Santíssima. Apenas nascido, todos os homens são convidados à alegria”. Também os magos exultam de júbilo — “gavisi sunt gaudio magno valde” — “E ao verem a estrela foi sobremaneira grande o júbilo que sentiram” (Mt 2, 10). Que são os cânticos de Zacarias e de Simeão senão hinos repassados da mais profunda e santa e alegria?
E as Bem-Aventuranças, prometendo a alegria eterna, não são o ponto culminante do Evangelho? Se do Evangelho, sobretudo do discurso da Última Ceia, passarmos aos Atos dos Apóstolos veremos que toda a comunidade está inundada de alegria. No seu primeiro discurso, Pedro, ao citar o Salmo 16, cujas palavras põem nos lábios de Jesus, proclama: “Por isso, se alegrou meu coração e minha alma. Ensinaste-me os caminhos da Vida e me encherás de alegria com a Tua Presença”. Assim, a Igreja nascente parte o pão com alegria (At 2, 46). Os discípulos são perseguidos, mas exultam (At 2, 40). Reina entre os samaritanos convertidos uma alegria perfeita (At 8, 8). O ministro da Etiópia, depois de batizado por Filipe, na estrada de Jerusalém a Gaza, “continuava o seu caminho transbordante de gozo” (At 8, 39). É que Jesus rogara ao Pai que concedesse aos Seus a plenitude da alegria. Ah! Como se enganam aqueles que se achegam inquietos às fontes do mundo! “Todo aquele que beber desta água tornará a ter sede!”, havia dito Jesus. Faz a todos soluçar no vazio do coração, como a Alfred de Musset: “Ao fundo dos prazeres, encontro tal desgosto que me sinto morrer!”. Quantos milhares de criaturas, vivendo apenas para as coisas da terra, terão já sentido a mesma amargura e o mesmo tédio? E seria tão fácil experimentar a suavidade da paz, a serenidade de quem vive de alma aplicada aos bens que não passam e preparam a eternidade feliz! Seria tão fácil, pois um só é o caminho: voltar para Deus, aceitar a Cristo Nosso Senhor na disposição de atender às exigências que Ele faz a quantos queiram ser verdadeiramente seus discípulos e seus amigos! A perene alegria vem de Deus. Ela é a Presença de Cristo em nós, em nossa vida, em nossa casa. É a convivência diária, minuto a minuto, com Ele, de tal modo a poder sentir, como São Paulo, que é Cristo quem vive em nós.
Quantos assim viverem, na sinceridade de seus corações, receberão o dom maior da Alegria que o Anjo anunciara aos espantados pastorinhos de Belém: “Nasceu para nós um Pequenino, um Filho nos foi dado!”. E a alegria inunda a todos.
Existe uma ação de graças: a verdadeira e real presença do Deus de Belém perpetuada no sacramento adorável e venerabilíssimo do altar. É Ele que nos ajuda, que nos dá ânimo, que nos revigora, que renova a nossa juventude, porque está conosco, dia e noite, sem interromper jamais a sua vigília, até o fim dos tempos. Então, porque ides por estranhos caminhos em busca de coisas que deixam na alma o travo amargo das decepções? Não é assim a festa de Natal? Os coquetéis dançantes e as horas carnavalescas com que muitos celebram o nascimento de Cristo são a triste profanação do autêntico júbilo dos filhos de Deus, daqueles que preferem abeirar-se do presépio para ouvir a canção dos anjos e adorar “o menino envolto em faixas”. Nada importa. Nem as coloridas propagandas comerciais, que situam a alegria natalina em meros manjares ou objetos de alto preço, coisas tão breves e finitas como o vento que passa. Outra é a nossa Festa: “Eis que eu vos anuncio uma grande alegria!”, repete o Anjo. É só aceitá-la, pois o Menino recém- nascido, afagado pela ternura da Mãe virginal, banhado pela refulgência das estrelas, inundou de paz os corações de boa vontade. As mães levam seus filhinhos para ver a pobreza de Deus e ensinar-lhes o sentido e a razão de tão grande e infinito amor. Dizei-me, amigos, se estais preparados a receber o dom perfeito do Natal, não apenas por alguns dias, mas para sempre: o amor de Cristo. A paz de Cristo. Porque o fruto maduro da paz de Natal é a alegria. Esta que nos vai alimentando nos caminhos da vida até àquele dese-jado momento: “Intra in gaudium Domini tui”. Esta certeza, Ele mesmo no-la deixou: “Eu hei de ver-vos de novo e o vosso coração se alegrará, e ninguém vos tirará a vossa alegria” (Jo 16, 22). A todos que me leem esta singela meditação, sinceramente desejo: buscai em Cristo Jesus a verdadeira alegria. E esta jamais vos será tirada. Feliz Natal!