Irmá Benigna

Reportagem Especial

Entrevista Especial: Irmã Neuza Cota da Silva – religiosa da Ciansp.

Data: 16/02/2023

Edição: 87

A senhora poderia nos contar quando conheceu a Irmã Benigna e o que pôde perceber na sua convivência com ela?

            Eu sou a Irmã Neuza Cota da Silva, da Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade e já estou na congregação há mais de 60 anos. Logo no início da minha vida religiosa, quando ainda Juniora, eu tive a oportunidade de conviver algum tempo com a Irmã Benigna, no Colégio Nossa Senhora da Piedade. E a presença dela, realmente, era uma presença muito acolhedora, uma presença de muita paz e que atraia a amizade, não só das pessoas adultas mas, principalmente, também dos jovens, devido àquela expressão de acolhimento, àquela expressão de paz, pela piedade, pela devoção que ela tinha a Nossa Senhora. Sempre os alunos estavam ao redor dela para pedir que rezasse por eles, e que rezasse com eles também. Então, nesse tempo, tive a felicidade de estar ali ao lado dela, não com tanta intensidade, mas foi um tempo de graça. 

            Ela era uma pessoa simples, mas uma pessoa muito firme, muito corajosa; uma pessoa que inspirava muita fé, e cheia de esperança na missão que ela realizava. Ela sempre foi uma pessoa devotada aos necessitados, aos mais pobres, mas tinha o dom de acolher qualquer pessoa. Acolhia os mais favorecidos na vida e, através deles, ela os fazia acolher também os necessitados. Então outras pessoas de poder aquisitivo melhor estavam sempre ajudando a Irmã Benigna na manutenção dos orfanatos, na manutenção da casa dos idosos, que era o ponto forte dela na Congregação, de trabalhar em prol daqueles que mais precisavam.

            Ela levava a Palavra de Deus, constantemente, para as pessoas que estavam ao lado dela. Não só pela própria presença, que era uma presença de muita paz, uma presença muito acolhedora, mas ela tinha uma missão, de sempre convidar as pessoas para oração. E a oração favorita era a Salve Rainha. E ultimamente eu tenho pensado: Por que a Salve Rainha? Quando a gente reza a Salve Rainha, a gente vê a palavra “Misericórdia”, e ela foi uma pessoa que viveu muito a misericórdia. Toda pessoa que se importa muito com o outro, que quer cuidar do outro é uma pessoa muito misericordiosa.

 

A trajetória religiosa da Irmã Benigna ficou marcada por sua vida eucarística, por sua grande devoção a Nossa Senhora e pela força da oração. O que a senhora nos diz a esse respeito?  

           Realmente, ela era muito devota de Nossa Senhora. E também foi acolhida numa Congregação Mariana. Mas ela já trazia com ela, da vida dela anterior, essa devoção a Nossa Senhora, principalmente a Nossa Senhora de Lourdes e, por onde ela andava, deixava a marca de Nossa Senhora de Lourdes, com a construção de grutas. Aqui nesse Colégio, que é o colégio cuja padroeira é Nossa Senhora de Lourdes, também foi construída uma gruta muito linda.

            O próprio fato da pessoa ser devota de Nossa Senhora - Nossa Senhora foi o primeiro Sacrário de Jesus - toda pessoa devota de Nossa Senhora realmente é atraída pela vida de Jesus, não é?! E a trajetória da Irmã Benigna foi mesmo seguir Jesus Cristo, seguir pregando, seguir realizando aquilo que é necessário em favor das outras pessoas. Ela, realmente, tinha essa veneração também pela Eucaristia. 

            A Irmã Benigna, para mim, durante a sua trajetória religiosa, a sua trajetória de missão, ela era um convite à oração, às pessoas estarem na presença de Deus. Ela fazia questão de convocar as pessoas para devoção a Maria, porque ela era uma grande devota de Nossa Senhora, mas também era um exemplo de vida prática. Ela, além do convite à oração, ela nos convidava à ação, a lutar e a trabalhar em favor do outro. A vida dela era uma vida também de esforço, de coragem de tomar providências, de estar sempre atrás e com muito esforço, para conseguir aquilo que ela precisava em relação, principalmente, aos pobres.

 

A Irmã Benigna tinha um dom especial para acolher as pessoas e levá-las a Deus. Em sua convivência com ela, o que mais a marcou? 

            Ela tinha o dom de provocar a pessoa a sentir essa presença de Deus. Nas conversas, na maneira de tratar a pessoa; na paciência, como ela acolhia as pessoas, já era uma provocação para a pessoa sentir a presença de Deus. E assim ela ia conhecendo as pessoas e as pessoas iam aderindo ao trabalho dela. A Irmã Benigna tinha com ela um jeito muito interessante de cativar as pessoas. Além da coragem, porque sempre estava em qualquer local. Se ela achasse que ela deveria estar num lugar público, de mais privacidade do público, ela conseguia estar ali e eu notava, principalmente, em Belo Horizonte, as portas estavam sempre abertas para ela; ela tinha contatos até no Palácio do Governador. 

            Quando eu conheci a Irmã Benigna, ela já tinha essa fama de santidade. Ela já estava com esse trabalho já muito intenso. Então, a fase inicial eu não convivi com ela. Mas, eu já convivi com essa fase, em que, realmente, ela era muito procurada. Procurada não só pessoalmente, mas também, ela recebia muitos telefonemas. E para atender esses telefonemas, ela andava muito na escola, porque, como não havia celular na época, ela deveria andar um grande percurso dentro de casa para atender esses telefones.

 

A Irmã Benigna transformou a vida de muitas pessoas e famílias. A senhora teve conhecimento de algum fato a esse respeito? 

            Pela missão que ela fazia, que ela realizava, pela vida de fé, pelo convite que ela fazia às pessoas à oração, então, todas as realizações dela mereciam muitos créditos das pessoas. As pessoas sentiam bem de estar ao lado dela. Sentiam conforto na aflição, na hora dos problemas de saúde, também, ela era muito procurada. Eu tive a oportunidade de conhecer uma senhora que era avó, já, ela estava com umas crianças e me disse o seguinte: “esses aqui são os meus netos, filhos de uma filha, que a Irmã Benigna rezou durante muitos meses, para que ela melhorasse de saúde”. “O meu contato”, ela dizendo, “o meu contato com a Irmã Benigna começou no hospital, quando essa criança nasceu e, todos os dias, ela ia e rezava com a família. Os médicos diziam: ‘essa sua filha, no máximo, vai sobreviver, mas ela não vai interagir, não vai poder falar, ela não vai...’ Uma série de sequelas que os médicos apresentavam. E ela falou! Olha, por incrível que pareça, a minha filha não teve sequela, minha filha fala corretamente, hoje ela já fez universidade, hoje ela está muito bem de vida”. Então, isso é uma história, entre muitas, que a gente sabe, mas eu achei muito interessante. E ela disse: “eu sempre venho aqui na Pampulha, trago os filhos dela, conto a história pra eles, e nós viemos aqui rezar sempre, sempre para agradecer essa graça”.

 

A vida da Irmã Benigna foi uma total entrega a Deus no serviço aos irmãos. Para a senhora, o que representou a caminhada dela na Congregação?   

            A Irmã Benigna estava numa Congregação cujo carisma, cujo espírito, era o espírito de servir, pelo próprio título da Congregação: auxiliar, auxiliar é aquele que serve. E na nossa formação, isso aí é muito forte. E ela acolheu isso muito, com muita energia, também na vida dela. Ela era sempre uma auxiliar. E auxiliar é aquela que está sempre a serviço do outro, e ela encarnou isso com muita grandeza de servir. Então ela foi para nós, para a Congregação, para as pessoas que a rodeavam também, um exemplo de serviço. 

            As pessoas da época em que ela viveu, as Irmãs contemporâneas do seu processo de vida religiosa, essas Irmãs tinham muita confiança nela. Acreditavam muito e eram pessoas que ela, quando tinha oportunidade, as acolhia também, para uma conversa, para rezarem juntas, então ela teve grandes amigas.

 

A Irmã Benigna tinha muitos dons e virtudes. Qual a que mais a marcou? 

            Entre muitas virtudes, ou manifestações de virtudes, que eu pude observar na Irmã Benigna, acho muito marcante a esperança. A esperança é uma virtude muito ligada à fé, quem tem fé tem esperança; isso movia naturalmente a Irmã Benigna, para que ela estivesse sempre de prontidão. Quem tem fé, quem tem esperança está sempre em marcha, e ele não para, aconteça o que acontecer, aquela disposição de auxiliar, aquela disposição de vencer, aquela disposição de buscar as coisas, ela fica muito forte. Então, eu notei isso muito nela; essa esperança sempre viva, sempre latente na vida dela.

            Ela tinha um diferencial para cada pessoa que encontrava com ela. Mas, ela também tinha um jeito constante de acolher as pessoas, indiferentemente: seja o religioso, seja o leigo, seja pessoa mais nobre, seja pessoa mais importante... É aquele jeito simpático, simples, aquele jeito feliz de acolher o outro.

            Eu vejo as pessoas que tem uma missão assim, tão especial, como ela teve, e que ela procurou ser fiel, a trajetória dessas pessoas é um pouco diferente das outras pessoas. Elas são muito convictas de que Deus espera delas este trabalho, esta missão. Então, eu penso que elas eram munidas de uma força especial de Deus, também, para passar por diversas dificuldades como a Irmã Benigna passou e, pela fé e pela esperança, e pela vontade que ela tinha de servir, ela conseguiu, com a graça de Deus, vencer esses obstáculos, essas dificuldades.

 

A Irmã Benigna faleceu em 16 de outubro de 1981, em Belo Horizonte, com grande fama de santidade.  O que foi mais significativo para a senhora nesse momento? 

            O momento do velório da Irmã Benigna foi um momento muito forte para todos nós. E acredito que muito forte também para os devotos, aqueles leigos que sempre estiveram ao lado dela. São muitas pessoas que, antes do seu falecimento, a acompanharam nessa missão, nesse trabalho dela. E, com a graça de Deus, foram pessoas que guardaram no coração, e também na prática, essa relíquia, esse trabalho dela. Foi como se tivessem acolhido aquele trabalho, aqueles ensinamentos dela. O espírito de oração que ela tinha fortaleceu também esses amigos da Irmã Benigna e que, até hoje, estão aí dando continuidade. E que foi também uma presença muito forte para o processo de santidade dela, que está sendo ainda... que está em processo também.

 

Para a senhora, qual a importância do legado da Irmã Benigna para a Igreja e para a humanidade? 

            O legado da Irmã Benigna, ele se tornou um marco para a Igreja, porque o santo, mesmo ligado a uma instituição religiosa, o trabalho dele é um trabalho para a Igreja, para humanidade. E o importante do trabalho da Irmã Benigna é, realmente, que ele perseverasse, que ele não fosse um trabalho dela só, mas que fosse um trabalho para servir a todos. E a ideia de qualquer pessoa que luta em favor do outro é que isso permaneça, que não seja uma situação passageira. E Deus foi conduzindo dessa maneira. Foram aparecendo pessoas que estavam ao lado dela e, eu imagino, pelo pouco que eu conheço, não foi fácil para os leigos que mantiveram esse movimento, que procuraram movimentar sempre essa ideia, esse espírito da Irmã Benigna. Eu acredito que eles trabalharam muito para que isso acontecesse, e estar acontecendo. 

 

No Processo de Beatificação da Irmã Benigna, a Amaiben e a Ciansp são as autoras da Causa. Junto à Dona Maria do Carmo Mariano, Presidente da Associação dos Amigos da Irmã Benigna – Amaiben, a senhora esteve à frente, como Superiora Geral da Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade - Ciansp. O que representou esse momento?

            Realmente, para mim foi uma graça de Deus poder estar contribuindo na abertura do Processo da Irmã Benigna e foi um grande desafio. Mas, também, esse desejo, que era que ela seja reconhecida pela Igreja como Santa, porque para nós está reconhecida como santa. O Santo, ele já é visto muito antes de ser reconhecido; toda história que a gente lê sobre os Santos, o povo já reconhece, o povo já convive com a santidade da pessoa, e assim também aconteceu com ela. Não sei quando será reconhecido pela Igreja, mas a gente já convivia com a santidade dela, e continua convivendo.

 

Em 18/02/2022, a Irmã Benigna recebeu o título de Venerável, através da promulgação do decreto, autorizado pelo Papa Francisco, em reconhecimento das virtudes vividas em grau heroico. Desde então, passou a ser chamada de “Venerável Benigna Victima de Jesus”. Qual a importância desse título na caminhada da Irmã Benigna rumo aos Altares da Santa Igreja Católica? Qual a virtude heroica, que mais a marcou?

            O “Venerável” é um título intermediário, do início do Processo e na caminhada para a canonização. Já é um passo de reconhecimento, da Igreja, da santidade da Irmã Benigna. Para o povo, e pra nós também, não é? Um título que é reconhecido pela Igreja tem muito sentido, não é? Sinal que, pela história dela, pelo que foi apresentado a respeito da vida dela, ela está sendo reconhecida como uma pessoa forte na Igreja, com uma presença bem visível na Igreja. Então, realmente é um momento de muita alegria, é um momento de muitas graças, e a gente tem notado na Congregação, que isso abriu também muitas oportunidades. Essa convivência, a lembrança dela, a presença dela no nosso meio, com essa manifestação das outras pessoas, abriram muitas outras portas também na nossa caminhada de Congregação. Para mim, a virtude que ela viveu de forma heroica foi a Esperança. Se ela não acreditasse, ela não conseguiria o que ela conseguiu. Então pra mim foi a Esperança.

 

Na percepção da senhora, qual a importância da caminhada de vida e santidade da Irmã Benigna para a vida consagrada, especialmente para a Congregação?

            A vida da Irmã Benigna, eu acredito que projetou a Congregação também. Ela não só, dentro da própria instituição, exerceu grandemente a missão dela como religiosa - nós todos temos uma missão de catequisar, temos uma missão de servir, temos uma missão de auxiliar - mas ela foi além, ela atingiu muitas pessoas, atingiu até hoje, até fora do país. 

            A Irmã Benigna seguiu uma trajetória evangélica, o seguimento de Jesus Cristo, mas com muita fidelidade, também, ao espírito do fundador Monsenhor Domingos Pinheiro, fundador da nossa Congregação, cuja inspiração e sentimentos, para que a Congregação fosse fundada, foi através da manifestação do sofrimento dos escravos; e isso nos faz, também, fazer uma ligação muito grande com a vida da Irmã Benigna; ela também sendo negra, descendente também de escravos; então eclodiu, parece... parece não, realmente é uma manifestação de Deus na pessoa dela, como se dissesse:  Eis aí o link entre a inspiração do fundador e a prática do que ele imaginava, de acolher - que a primeira ideia dele, mesmo, é acolher aquelas crianças que ficavam abandonadas, quando eram libertados da escravidão e os pais continuavam os trabalhos escravos. Ele lutou muito para que a Congregação fosse fundada, ele lutou muito para que a Congregação continuasse, perseverasse no seu trabalho. Eu acredito que ela fortificou essa ideia dele, ela deu força não só para ideia que ele teve para iniciar a Congregação, mas também fortificou a nossa vida para que a gente possa também dar continuidade a esse carisma, a essa missão que o Monsenhor Domingos queria de nós e quer de nós também.

            Todo passo da Irmã Benigna na Congregação foi em relação aos outros, mas, também, em relação ao crescimento da entidade também. Ela preocupava com que a congregação fosse lembrada, fosse vista, que o trabalho do Monsenhor fosse reconhecido. Como religiosa, essa persistência dela nas coisas, a perseverança dela na caminhada religiosa e na caminhada da missão também, é um grande exemplo para as outras gerações. É uma força muito forte para as novas vocações. Ela mostra a possibilidade das pessoas caminharem: é possível vencer dificuldades, é possível vencer obstáculos quando se vê a trajetória dela. Então o marco da missão dela, do esforço, do trabalho, também é uma grande motivação vocacional.

 

Para a senhora, qual o significado da expressão: “Jesus tem pressa”?

          “Jesus tem pressa!” Essa expressão da Irmã Benigna é muito interessante, porque para as coisas de Deus, toda hora é um momento. Eu não posso ficar aguardando muito tempo para acolher o outro, para resolver o que as pessoas precisam. Então, essa atenção do santo, ele é tão dedicado, que qualquer hora, qualquer momento é o momento para acolher, é o momento para  estar ao lado, estar ajudando. Inclusive, ela deixava a refeição, se ela estivesse comendo. E, se ela estava muito apressada com alguma coisa, e chegou alguém: ela estava pronta para acolher. 

            Esse “Jesus tem pressa” é porque Ele já enviou a pessoa, e aquele momento era o momento da pessoa. Ela não podia contrariar aquele momento. Então, tem um significado muito importante. E é uma fala que a gente tem que prestar muita atenção, pra gente não ficar protelando os momentos de ajuda, protelando, deixar pra muito tempo depois, as iniciativas que a gente tem de tomar, não é? A gente tem de ser insistente nas providências. Eu acho que a Maria do Carmo, ela fez isso com muita coragem. Ela não deixou o movimento e a ideia, e a missão dela cair. Ela segurou e firmou a caminhada, a missão da Irmã Benigna, conservando nos trilhos. Foi a salvação, porque com o falecimento dela, eles poderiam ter arrefecido; ela sustentou até a coisa ficar com mais força.

 

A senhora poderia dirigir um conselho para esses amigos e devotos e também àqueles que ainda não conhecem a devoção a Irmã Benigna? 

            O conselho que eu daria, principalmente às pessoas que estão bem ligadas a essa história - não só nós da Congregação, que temos essa missão, e que a vida dela nos leva a dar continuidade a esse trabalho - mas aos leigos, principalmente, que continuem essa catequese de fazê-la conhecida, porque ela foi uma pessoa que convoca as pessoas para a presença de Deus através da devoção a Nossa Senhora. Então, que continue fazendo essa catequese, através da devoção a Nossa Senhora, aí, o filho que é Jesus Cristo, também será muito bem reconhecido, e também a missão dela terá uma continuidade, como está sendo feito. E também, que Deus abençoe a essas pessoas, que continuem com essa coragem, que acreditem que é bom ajudar o outro, que a felicidade do outro é a nossa felicidade.

 

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